PAI E FILHO COMPARTILHAM O MESMO NOME:

PAI E FILHO COMPARTILHAM O MESMO NOME:
"NÃO HÁ SALVAÇÃO EM NINGUÉM MAIS!".

sexta-feira, 2 de março de 2012

INTRODUÇÃO AO: "PENTATEUCO":

O PENTATEUCO

INTRODUÇÃO


Unidade e diversidade do
Pentateuco. Os primeiros livros da Bíblia formam o que se chama, na
tradição cristão – grega, depois latina
– o Pentateuco. É uma palavra grega que designava os “cinco estojos”
que encerravam os volumes ou rolos, as cinco partes daquilo que se chama em
hebraico a Torá, palavra habitualmente traduzida por “Lei”;
por isso dizia-se também para designar esse livros “os cinco quintos da Lei”.
Fala-se ainda dos “cinco livros de Moisés”, pois, conforme a tradição, Moisés é
o legislador, o intermediário pelo qual o povo de Israel recebeu a Lei.
A Torá de Moisés é composta de
várias coletâneas de leis, cada qual com sua estrutura literária, histórica e
social, e enquadrando grandes ciclos de narrativas que evocam os atos de Deus
na constituição do povo.
Os títulos dos cinco livros do
Pentateuco vêm do grego. Procuram dar uma ideia esquemática do conteúdo: as
origens, Gênesis; a saída do Egito, Êxodo. O nome do Levítico
corresponde ao papel dos filhos de Levi na legislação cultural, e dos Números
provém do recenseamento das tribos; o Deuteronômio (em grego, a “segunda
lei”) é como uma retomada, uma repetição da lei. A tradição judaica se contenta
com designar cada um dos cinco livros pela sua primeira palavra hebraica.
A divisão em cinco partes não
quebra a unidade do conjunto, manifestada pela continuidade de um livro noutro.
Dessa forma, o livro do Êxodo, inicia por uma breve recapitulação da genealogia
de Jacó desenvolvida no cap. 46 do Gênesis e por uma retomada do último
versículo do livro das origens. O Levítico prolonga a revelação da Lei a Moisés
no Sinai, que principia em Êx 20 e não será concluído antes de Nm 10. Quanto ao
Deuteronômio, é um discurso de Moisés, no qual ele renova o código de Êx 20-23,
prevendo o tempo em que o povo, recém-instalado na Terra prometida, estará
defronte ao risco de esquecer as exigências do seu Deus.
A atual divisão em capítulos, que
data da Idade Média, pretende dar ao conjunto uma divisão mais ou menos regular
para a comodidade da leitura e do estudo. As seções da leitura litúrgica
judaica conheceram variações. Tampouco elas correspondem ao que se poderia
considerar divisões naturais do texto, pois estas constituem seções de extensão
muito variável. Por exemplo, a história de José ocupa vários de nossos
capítulos (Gn 37 e 39-50); em compensação, o episódio da união dos anjos com as
filhas dos homens ocupa apenas alguns versículos (Gn 6,1-4). Não se deve
procurar no Pentateuco a composição rigorosa de um código moderno de leis ou de
um tratado de teologia, e, apesar de seguir uma ordem cronológica, também não é
um manual de história.

A lei e a história. Muitos
textos narrativos do Pentateuco têm por finalidade valorizar uma lei: é assim
que o episódio do bezerro de ouro (Êx 32,34) liga a ordem de partida do Sinai
para a Terra prometida e a formulação da aliança com o preceito: “Não farás
para ti deuses em forma de estátua” (Êx 34,17). Outros relatos justificam uma
instituição: p. ex., a revolta de Qôrah, Datan e Abirâm (Nm 16,17) explica a
escolha da família de Aarão para desempenhar as funções sacerdotais. Embora o
Gênesis seja mais narrativa e o Levítico mais legislativo, é no Gênesis que se
encontra a lei-instituição da circuncisão, não relatada alhures (Gn 17,9-14), e
é no Levítico que se lê a narrativa da investidura sacerdotal de Aarão (Lv 8 e
9). A tradição judaica é mais sensível ao aspecto legislativo da Torá; a
tradição cristã muitas vezes conservou mais os aspectos narrativos, a ponto de
ver neles uma história da humanidade salva por Deus. A análise literária
permite, em certa medida, distinguir diferentes “gêneros”, e o conhecimento dos
documentos do Oriente Próximo antigo ajuda a caracterizá-los (código penal,
legislação matrimonial, genealogia etc). Mas o trabalho de análise, por si só,
não daria conta da perspectiva de conjunto, a imbricação de textos de gêneros
tão diferentes é deliberada, significativa; não há leis e narrativas, mas uma
lei que é, ao mesmo tempo, história e a lei do povo escolhido constituído por
Deus.


Uma composição por etapas. Sem
perder de vista a unidade de conjunto do Pentateuco, o leitor atento se
surpreenderá com certos aspectos literários que traem uma composição complexa.
Longe de empobrecer a leitura, essa atenção dispensada à diversidade de estilos
e testemunhos contribui para desvelar os cinco livros como uma suma na qual se
fixaram as confissões de fé de Israel, cada qual à sua maneira, no decorrer dos
séculos.
Dessa forma, certos textos
legislativos se repetem em contextos diferentes: O Decálogo é dado duas vezes
(Êx 20; Dt 5); o ciclo das festas, quatro vezes (Êx 23; 34; Lv 23; Dt 16). O
mesmo vale para as narrações: uma dupla narrativa da criação (Gn 1,1-2.4a;
2,4b-25), da expulsão de Hagar (Gn 16 e 21), da vocação de Moisés (Êx 3-4 e
6,2ss.) etc. Não se trata de simples repetições. Cada um dos textos paralelos
possui uma marca original. O mandamento do shabbat, por exemplo, se funda tanto
na evocação da criação (Êx 20,9-11), como na da saída do Egito (Dt 5,12-15); essas
duas motivações para um mesmo mandamento possuem a mesma autoridade, mais
decorrem de intenções diversas, que merecem ser resgatadas. O fenômeno é
particularmente nítido na história do patriarca que faz a própria mulher passar
por sua irmã aos olhos de um rei. Ela aparece três vezes. Em Gn 12 e 20, é
aplicada a Abraão e Sara; em Gn 26, a Isaac e Rebeca. Também pode acontecer que
uma narrativa desdobrada desse modo se apresente não só sob a forma de duas
narrações distintas, mas como uma única narração na qual duas tradições se
mesclam a narrativa do dilúvio (Gn 6,5-9.17). O caráter compósito desse texto é
evidente, pois as diferenças de estilo saltam aos olhos. Bastaria perceber as
diferenças nas indicações numéricas: dois animais de cada espécie (6.19) ou
sete (7,2); quarenta dias de inundação (7,17) ou cento e cinquenta (7,24).
Diversidade literária aparece
também no nível do estilo e das peculiaridades de vocabulário. A mais evidente
é o emprego de diversos nomes divinos, particularmente óbvia nas narrativas
paralelas. Uma das duas narrativas da expulsão de Hagar, por exemplo, fala do
Senhor (YHWH, Gn 16,3-14), enquanto a outra emprega o nome comum para
designar Deus (Elohim, Gn 21,9-19). A esse primeiro critério – que
serviu de chave para que a análise literária identificasse a origem diversa das
tradições – acrescentou-se outras divergências: a montanha da revelação ora é o
Sinaí (Êx 19,1; Nm 10,12), ora o Horeb (como sempre em Dt, mas já citado em Êx
3,1; cf. Nota); os antigos abitantes da região são os cananeus (Gn 12,6) ou os
emoritas (Dt 1,19, nota). Essas diferenças, entre muitas outras, sobretudo as
que se combinam, evidenciam hábitos de linguagem próprias e certos grupos
religiosos por meio dos quais os dados da tradição foram transmitidos. O estilo
caloroso das exortações do Deuteronômio contrasta com o caráter técnico das
prescrições rituais de Lv 1-7, assim como se choca com a forma lapidar dos
mandamentos de Lv 19, onde o próprio Deus exige obediência, pois, é ele que
diz: “Eu sou o Eterno, vosso Deus”. Tantas
particularidades de estilo não se explicam apenas pela diferença de objetos
tratados, mas também pelas maneiras distintas de confessar e de viver a fé no Deus único.
Num plano mais artístico, enfim,
pode-se comparar a extrema sobriedade de uma narrativa como a da vocação de
Abraão (Gn 12,1-4) com o romance pitoresco do casamento de Isaac e Rebeca (Gn
24) ou as aventuras de José (Gn 37; 39-50).
Todos esses fenômenos literários
deixam transparecer um longo processo de composição, até se chegar ao conjunto
acabado e definitivamente fixado. Na origem, os santuários, os lugares de
peregrinação constituíam núcleos em redor dos quais se perpetuavam as tradições
orais de tribos ou de grupos de tribos. Todos vinham a eles para celebrar os
grandes feitos da história da salvação a Páscoa com a recordação do Êxodo, as
Tendas com a recordação da estada no deserto. Os sacerdotes, guardiães e
interpretes das leis da aliança herdeiros da tradição mosaica, velavam pela
salvaguarda e transmissão das tradições particulares que, pouco a pouco, se
agruparam em ciclos ou conjuntos mais vastos, à medida que se estreitavam os
laços entre as tribos. À medida que se afirmava a unidade religiosa de Israel,
esta supunha a formação de uma síntese ainda mais ampla, que traçasse o destino
inteiro do povo a serviço de seu Deus. Tradições religiosas e tradições
literárias resultaram assim na formação do nosso Pentateuco: deixaram traços
ainda visíveis, graças aos quais se pode ter uma ideia das etapas dessa
história, e que dão testemunho da fidelidade da redação final a essas tradições
venerandas.
Pode-se comparar o Pentateuco em
sua redação final a um terreno de aluvião criado por um rio provindo de uma
vasta bacia hidrológica, cujas camadas sucessivas conservam vestígios de sua
origem particular. É incumbência da análise literária identificar essas
contribuições diversas e ensaiar hipóteses sobre o meio de origem das camadas
no seio do povo de Israel, assim como as circunstâncias de sua fixação
literária.
Hoje se concorda em reconhecer
que quatro correntes principais contribuíram para a formação do conjunto, cada
uma das quais projetando sua própria perspectiva sobre a história da aliança e
de suas instituições.


A tradição sacerdotal (P).
A camada literária mais facilmente identificável é a que dá ao Pentateuco sua
atual estrutura geral. Estende se da narrativa da criação do mundo em sete dias
(Gn 1,1-2,4a) à morte de Moisés (Dt 34,7-9) e organiza a história em torno a
uma sequência de genealogias (Gn 5,1 e notas). Ela passa pelo dilúvio e a
aliança com Noé (Gn 9) para alcançar a aliança com Abraão (Gn 17). Além dos
patriarcas e da revelação do nome divino a Moisés (Êx 6), ela narra a saída do
Egito, depois se detém demoradamente na revelação da lei e das instituições culturais
por intermédio de Moisés no Sinai (Êx 25 a Nm 10). As características mais
marcantes de seu estilo são as repetições, genealogias, listas, e a predileção
por tudo o que concerne ao culto e à liturgia. O interesse dessa tradição pelo
santuário (Êx 25-31 e 35-40), pelos
sacrifícios (Lv 1-7) e pelo clero constituído por Abraão e seus filhos (Lv
8-10) permite reconhecer nela o testemunho próprio do círculo dos sacerdotes,
de onde a denominação de tradição sacerdotal que lhe foi dada, simbolizada pela
inicial P (de Priestercodex, código sacerdotal). Por muito tempo
considerada proveniente da corrente mais antiga da tradição – notadamente
porque é ela que serve de fio condutor a todo o Pentateuco –, sabe-se hoje que
essa camada é a de fixação mais recente, embora transmita certo número de
materiais antigos. Com efeito, a imagem que ela reproduz das instituições
culturais corresponde à organização da comunidade pós-exílica. Na verdade, foi
de acordo com essa forma da tradição que a comunidade judaica se reconstituiu
depois da grande ruptura do exílio. Foi esse texto que certamente serviu de
fundamento para a reforma de Esdras (Ne 8; comparar Ne 8,18 a Lv 23,36).
Baseando-se em uma longa tradição oral, ela pode ter sido redigida pelos
sacerdotes de Jerusalém durante o exílio na Babilônia, em vista da restauração
do culto no templo reconstruído. Ela dá testemunho de que Deus é YHWH do
universo inteiro, que todo homem foi criado a sua imagem para servi-lo e
adorá-lo. Deus firmou aliança com toda a humanidade por meio de Noé, depois
escolheu Abraão para que ele viesse a ser o pai de uma multidão de nações e fez
aliança com ele. No seio de sua descendência, Deus separou os levitas, e dentre
eles Aarão e sua linhagem, para oferecer o culto em nome de todo o povo. É no
santuário sobre o qual repousa a graça divina que se realiza o encontro
salvífico entre Deus e os homens, graças à mediação de Moisés e do sumo
sacerdote Aarão.
Esta sucessão de alianças
concêntricas confere ao conjunto do Pentateuco sua majestosa ordenação, mas não
se deve perder de vista que se trata de uma visão super elaborada e
relativamente tardia da história das origens. Não é de causar surpresa que um
documento-programa desses tenha sido utilizado para o arremate redacional de
todo o Pentateuco, com o enquadramento e reorganização dos materiais mais
antigos da tradição.


A tradição deuteronômica (D).
Uma segunda camada é facilmente resgatável – porque não se mescla facilmente
com as outras e se caracteriza por um estilo muito particular. É a tradição
compilada no Deuteronômio, designada pela letra D. Centrada no
ensinamento da lei, renuncia ao plano cronológico da uma história das origens.
Seu gênero literário é o da pregação, com a conclamação à obediência, as
exortações, ameaças e as promessas. As múltiplas prescrições da lei são
articuladas com o mandamento central do amor a Deus (Dt 6,5 e notas). Mas a
catequese da lei se refere constantemente aos eventos da história, dos quais
ela ressalta a atualidade (Dt 1,10 e nota): a saída do Egito (Dt 16,3), a
promessa de uma boa terra feita aos pais (Dt 4,31 e nota) e mesmo a criação do
mundo (Dt 4,32 e nota). Ela evoca também o bezerro de ouro e as infidelidades
do povo no deserto (Dt 9,7ss.), a fim de advertir Israel e de levá-lo a
escolher entre a vida e a morte (Dt 30,15ss.).
A exigência de um santuário único
(Dt 12) permite pôr essa obra literária em relação com a reforma do culto
realizada pelo rei Josias em 622 a.C. (2Rs 22-23), ainda que o “livro da lei” -
que é a sua base – seja provavelmente uma versão breve e primitiva do livro do
Deuteronômio. A atenção reservada aos levitas (Dt 18,1-8) e seu papel de
detentores da lei (Dt 33,8-11; 17,18) e de pregadores juntamente com Moisés (Dt
27,9) indicam que essa tradição é a mesma que se transmitia no círculo dos
levitas dos antigos santuários do interior, porta-vozes do ensinamento de
Moisés. Pode ser que ela tenha recebido sua primeira fixação escrita após a
queda do reino do Norte (em 722 a.C.), entre os levitas do Norte refugiados em
Judá, ou, de acordo com outra hipótese, entre os sábios agregados à corte de
Jerusalém. Mas foi submetida a numerosos desenvolvimentos ulteriores, até o
tempo do exílio (Dt 4,25ss.).
O longo trabalho de redação
deuteronomista não atingiu apenas o Deuteronômio. Enriqueceu visivelmente
várias passagens mais antigas do Êxodo (por exemplo. Êx 12-13; 32-33) e até do
Gêneses (Gn 18,17-19), onde se podem reconhecer seu estilo e vocabulário.
Alias, é nessa perspectiva que também se organizou a grande síntese da história
subsequente, da entrada na terra à queda de Jerusalém, tal como registrada nos
livros de Josué, Juízes, Samuel e Reis, cujo prefácio se encontra nos três
primeiros capítulos do Deuteronômio. Essa forma deuteronômica da tradição
marcou profundamente o testemunho de todo o Antigo Testamento, com sua
insistência no Deus único, na fidelidade
à promessa, na eleição gratuita de um povo a quem ele dá terra e instituições,
e cuja lei é para aqueles que a praticam fonte de vida e alegria.


Tradições mais antigas. Se
agora lançarmos o olhar para os trechos mais antigos, veremos que o Pentateuco
toma proporções mais modestas, traindo, embora, sua origem diversificada. As
camadas aqui são mais difíceis de identificar, pois a redação definitiva
deslocou-se parcialmente para integrá-las como peças que dão autoridade ao
escrito. Suas características literárias levam a crítica a reconhecer aqui duas
formas primitivas da tradição, uma das quais relativamente bem-conservada,
enquanto a outra subsiste apenas em fragmentos esparsos.



A tradição javista (J). A
primeira camada decorre da tradição que chama Deus por seu nome pessoal “YHWH”
desde as origens (Gn 4,26). Por isso, ela se chama javista e é designada pela
inicial J. A exemplo da camada sacerdotal, narra a história das origens
a partir da criação do homem (Gn 2,4b-25) até a morte de Moisés (Dt 34,5-6).
Suas primeiras páginas registram a história de Israel no quadro da humanidade
criada para a vida (Gn 2), mas marcada pela recusa a escutar Deus (Gn 3) e pela
violência (Gn 4). A paciência de Deus para com os homens pecadores é assegurada
a Noé e a sua descendência (Gn 6-8), em vista de uma bênção que Deus promete a
Abraão para todas as nações (Gn 12,1-4a). Os ciclos narrativos de Abraão e Jacó
demonstram como a promessa se cumpre para aqueles que creem. A partir da missão
de Moisés ante a sarça ardente (Êx 3), a camada literária J narra de
maneira particular o enfrentamento entre Deus e Faraó, a saída do Egito, a
travessia do mar (Êx 14) e alguns episódios da caminhada no deserto rumo ao
Sinai, onde Moisés e os anciãos celebram com Deus uma refeição de aliança e
recebem a lei, talvez sob a forma sintética do ritual de Êx 34,14-26. Essa
camada se encontra ainda nas últimas narrativas da caminhada no deserto, do
Sinai à Terra prometida (Nm 11ss.), e na história de Bilêam (4º oráculo Nm
24,15-19).
A narração javista conservou o caráter pitoresco e a variedade
das tradições orais relacionadas a certos santuários e ao folclore do clã. Ela
se caracteriza pelo estilo concreto, colorido cheio de margens, quase ingênuo
de um contador de histórias (os filhos de Noé, Gn 9,18-27; a torre de Babel, Gn
11,1-9), que não hesita em falar de Deus em termos muito expressivos, como se
estivesse falando de um homem: “Eles ouviram a voz do Senhor Deus que passeava
no jardim ao sopro do dia”(Gn 3,8); “O Senhor fechou a porta atrás de Noé” (Gn
7,16); “Abraão percebeu três homens de pé perto dele” (Gn 18,2). A
originalidade de J consiste em que suas múltiplas narrativas foram
organizadas em uma história que vai da promessa a seu cumprimento. Não
ocultando nenhum dos pecados do homem, nem sua condenação por Deus, essa
narrativa dá testemunho dos atos de salvação de um Deus que dispersa sua bênção
a Abraão e sua descendência, a fim de fazê-la atingir todas as nações da terra.
A origem e a data de fixação por
escrito dessa corrente da tradição são muito discutidas. A redação pode até ter
sido processada em várias fases. A dominação prometida para sempre a Judá sobre
seus irmãos (Gn 49,10; cf. Gn 37,26) poderia indicar que a origem dessa
tradição deve ser procurada em Judá, em meio próximo à monarquia davídica. O
“dominador que surge de Jacó” (Nm 24,19) seria uma alusão a David ou a um de
seus sucessores? A tradição “J” teria a intenção de fazer o Estado davídico
recordar que, se ele se tornou uma nação inumerável (Gn 12,2; Sm 7,23; 1Rs
3,8), foi por favor de uma promessa divina, da qual agora ele deve ser portador
em benefício dos outros povos da terra.



A tradição eloísta (E). Vários
fragmentos narrativos, quase sempre combinados com a camada J,
distinguem-se pela utilização do nome genérico “Elohim” para falar de
Deus nas narrativas que precedem a revelação do nome YHWH. Daí o nome
eloísta dado a essa camada, com a inicial E. Outras características
literárias acompanham esta feição e permitem detectar importantes vestígios
dessa corrente: a passagem de Abraão e Abimélek (Gn 20), o sacrifício de Abraão
(Gn 22), provavelmente uma grande parte da história de José (cf. Gn 50,20), mas
também a infância de Moisés (Êx 2), a revelação do Nome (Êx 3,14), e a visita
de Iitrô (Êx 18). Aparentemente, é dessa camada que deriva a mais primitiva
coletânea das leis do Pentateuco, o “Código da aliança” (Êx 10,23-23.33). A
partir daí, o rastreamento se complica, a ponto de ser necessário renunciar a
isolar E da camada J.
Algumas narrativas trazem uma
perspectiva particular: insistem na distância entre Deus e o homem. É
necessário que um anjo intervenha, ou mesmo um homem (Gn 22,11-18; 32,23-33),
para evitar que o próprio Deus se imiscua em uma atividade exclusivamente
humana, o que às vezes confere a Deus um aspecto temível. A atitude justa do
homem perante Deus é aqui frequentemente expressa pelo termo “temor”, que
significa, ao mesmo tempo, a relação de intimidade e de obediência (Gn 20,11;
22,12). Ora esse termo é característico da piedade dos círculos próximos aos
profetas Elias e Eliseu (Rs 18,3; 2Rs 4,1). A figura do profeta serve de modelo
para descrever o papel de Moisés (Nm 11,25), ou mesmo o de Abraão (Gn 20,7). Alguns
também atribuem a origem dessa corrente tradicional ao reino do Norte. Pode-se
supor que a tradição E tenha sido compilada em Judá após a
destruição do reino do Norte em 722 a.C. O último redator da narrativa J
(que à vezes é chamado de jeovista = JE) teria integrado à redação
elementos eloístas, sem que se possa afirmar se se tratava de passagens
isoladas ou de uma obra coerente da qual ele sacrificara grande parte.



A composição definitiva do
Pentateuco. A unidade do povo de Deus, fundada sobre a unicidade do próprio
Deus, tornou indispensável a conjunção gradativa dessas diversas formas de
tradição. Várias gerações de redatores se dedicaram a isso: eles remanejaram e
retocaram o conjunto, mas a preocupação de nada desperdiçar da herança dos pais
levou-os a respeitar, o mais possível, a especificidade dos testemunhos
antigos.
Outras hipóteses foram elaboradas
para explicar a composição do Pentateuco. Se alguns crentes defendem a opinião
dos antigos, segundo a qual Moisés redigiu o Pentateuco inteiro, outros autores
afirmam que a maior parte das coletâneas de lei se explicam sobretudo pela
combinação de partes inicialmente independentes (a hipótese dos “fragmentos”).
Outros ainda pensam que a coesão do conjunto como um todo postula a existência
de um escrito fundamental, longamente ampliado depois (hipótese “dos
complementos”). Não obstante, postas em debate todas essas perspectivas, a
redação por camadas sucessivas parece ser hoje a hipótese mais pertinente, por
explicar, ao mesmo tempo, a unidade e a diversidade do Pentateuco. Ela
proporciona uma leitura em profundidade dessa vasta obra, põe em foco sua
mensagem como abordagens diversas do mesmo mistério: J, mais
psicológica; E, e mais preocupada em atentar a transcendência; P,
mais atenta às realidades jurídicas e cultuais; D, valorizando a eleição
e o amor.



Sentido religioso. A
religião do Antigo Testamento, como a do Novo, é uma religião histórica:
funda-se na revelação feita por Deus a determinados homens, em determinados
lugares e circunstâncias, e nas intervenções de Deus em determinados momentos
da evolução humana. O Pentateuco, que reproduz a história dessas relações de
Deus com o mundo, é o fundamento da religião judaica e tornou-se seu livro
canônico por excelência, sua lei.
Ali encontrava o israelita a
explicação do seu destino. Não apenas tinha, no começo do Gênesis, a resposta
às interrogações que todo homem se faz sobre o mundo e a vida, sobre o
sofrimento e a morte, mas encontrava também resposta para seu problema
particular: Por que (Yaohu) – YHWH, o Único, é o Deus de Israel?
Por que Israel é seu povo entre todas as nações da terra? É porque Israel
recebeu a promessa. O Pentateuco é o livro das promessas: a Adão e Eva após a
queda, o anúncio da salvação longínqua; o Protoevangelho, a Noé
depois do dilúvio, a certeza de uma nova ordem do mundo; e a Abraão principalmente. A promessa que lhe é
feita é renovada a Isaac e a Jacó e interessa a todo o povo deles nascido. Essa
promessa se refere imediatamente à posse do país em que viveram os Patriarcas,
a Terra Prometida, mas implica outras coisas mais: significa que existem entre
Israel e o Deus dos Pais relações especiais, únicas.
Pois Yaohu chamou Abraão e nessa
vocação já se prefigurava a eleição de Israel. Foi Yaohu que fez dele um povo e
deste povo seu povo, por uma eleição gratuita, por um desígnio amorável,
concebido desde a criação e continuada através de todas as infidelidades dos
homens.
Essa promessa e essa eleição são
garantidas por uma aliança. O pentateuco é também o livro das alianças. Uma já
é feita, embora tácita, com Adão; ela é explícita com Noé, com Abraão, com todo
o povo, enfim, pelo ministério de Moisés. Não se trata de um pacto entre
iguais, pois Deus não o necessita e é ele quem toma a iniciativa. No entanto,
ele se compromete, se obriga de uma certa maneira pelas promessas que faz. Mas
exige, em contrapartida, a fidelidade de seu povo: a recusa de Israel,
seu pecado, pode romper o vínculo que o amor de Deus formou.
As condições dessa fidelidade
estão reguladas pelo próprio Deus. Deus dá sua lei ao povo que escolheu para
si. A lei ensina-lhe seus deveres, regula sua conduta conforme a vontade de
Deus, e, mantendo a aliança, prepara o cumprimento das promessas.
Esses temas da Promessa, da
Eleição, da Aliança e da Lei são os fios de ouro que se entrecruzam na trama do
Pentateuco e continuam seu curso por todo o Antigo Testamento. Pois o
Pentateuco não é completo em si mesmo: Menciona a promessa mas não a
realização, já que termina antes da entrada na Terra Santa. Devia permanecer
aberto como uma esperança e uma exigência: esperança nas promessas, que a
conquista de Canaã parecerá cumprir (Js 23), mas que os pecados do povo
comprometerão e que os exilados recordarão em Babilônia, exigência de uma lei
sempre premente, que permanecia em Israel como uma testemunha contra ele (Dt
31,26).
Isso durou até Cristo, que é o
termo para o qual tendia obscuramente essa história da salvação e que lhe dá
todo o seu sentido. Paulo salienta o significado deste fato, sobre tudo em Gl
3,15-29. Cristo concluiu a Nova Aliança, prefigurada pelos pactos antigos e
nela faz entrar os cristão, herdeiros de Abraão pela fé. Quanto à Lei, ela foi
dada para guardar as promessas, como um pedagogo que conduz a Cristo, em que
estas promessas se realizam.
O cristão não está mais sob o
pedagogo, está libertado das observâncias da Lei, mas não de seu
ensinamento moral e religioso. Pois Cristo não veio ab-rogar e sim levar à
perfeição (Mt 5,17), o Novo Testamento não se opõe ao Antigo, prolonga-o. A
Igreja não apenas reconheceu nos grandes eventos da época patriarcal e mosaica,
nas festas e ritos do deserto (sacrifício de Isaac, passagem do mar Vermelho.
Páscoa. Etc), As realidades da Nova Lei (sacrifício de Cristo, batismo, Páscoa
cristã), mas a fé cristã exige a mesma atitude fundamental que os relatos e os
preceitos do Pentateuco prescreviam aos israelitas. Mais ainda: em seu
itinerário para Deus, toda alma atravessa as mesmas etapas de desapego,
provação e purificação pelas quais passou o povo eleito, e encontra sua
instrução nas lições que foram dadas a este.
Uma leitura cristão do Pentateuco
deve seguir antes de tudo a ordem dos relatos: O Gênesis, depois de
haver oposto às bondades de Deus Criador as infidelidades do homem pecador,
mostra, nos Patriarcas, a recompensa concedida à fé; o Êxodo é o esboço
de nossa redenção; Números representa o tempo de provação em que Deus
instrui e castiga seus filhos, preparando a consagração dos eleitos. O Levítico
poderá ser lido com mais proveito em conexão com os últimos capítulos de Ezequiel
ou depois dos livros de Esdras e Neemias; o sacrifico único de
Cristo tornou caduco o cerimonial do antigo Templo, mas suas exigências de
pureza e de santidade no serviço de Deus continuam sendo uma lição sempre
válida. A leitura do Deuteronômio acompanhará bem o de Jeremias,
o profeta de que ele está mais próximo pelo tempo e pelo espírito.



A leitura cristã do
Pentateuco. Com a dispersão do povo de Israel, o livro da Lei apareceu como
fundamento de sua unidade, como aquilo que fazia dele um povo. A insistência
recaiu sobre os aspectos jurídicos: é a fidelidade à Torá, a uma Lei reguladora
da vida cotidiana, que permite aos judeus dispersos serem ainda um povo. Esta
interpretação farisaica e rabínica não está fechada ao universalismo, mas seu
universalismo centra-se no povo judeu e supõe a fidelidade à Lei. Nessa
perspectiva, a atualidade da Lei é posta em evidência.
Ao lado da perenidade do
judaísmo, a interpretação cristã abre-se o outro tipo de universalismo. Para o cristianismo,
as promessas do Antigo Testamento já se realizaram, seu cumprimento
deu-se em Jesus Cristo e a nova aliança consumou a antiga. A lei da
primeira aliança aparece então como momento de uma história, e, com a abertura
da Igreja aos pagãos, insiste-se na ideia de que a palavra de Deus se dirige ao
mundo atravessando a continuidade da história. É uma etapa da constituição do
povo de Deus, na qual não se deve parar, mas que se deve assumir até o pleno
cumprimento.
Os dons de Deus não têm
retorno. Por isso o povo judeu conserva aquilo que dele recebeu, mas
não é o único a ouvir na Torá uma palavra de Deus. Os cristãos reconhecem a
palavra de Deus encarnada em Jesus de Nazaré, que não veio abolir a lei, mas
consumá-la (Mt 5,17). Na Lei, descobrem sua própria história. Eles
também constituem uma comunidade a caminho, que vise da libertação realizada
por Cristo no dia da Pascoa e da espera do reino de Deus. Eles sabem que sua
vida está determinada por uma aliança, a aliança que Cristo selou para eles.
Eles se alimentam da palavra de Deus e dos sinais de sua misericórdia e
fidelidade. Os acontecimentos atestados pelo Pentateuco anunciam e prefiguram a
obra que Deus realizou por Cristo na Igreja, do mesmo modo que as instituições
da antiga aliança preparam e delineiam as instituições da nova. Para o cristão,
o que se diz do Templo e da liturgia aplica-se ao corpo de Cristo, novo
santuário sobre o qual resplandece a glória de Deus (Jo 2,21). É assim que o
Pentateuco continua a ser uma fonte de vida para os homens de hoje, para
aqueles que partilham a fé de Abraão e saúdam ao Cristo a consumação da
promessa feita ao patriarca em favor da humanidade.

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