PAI E FILHO COMPARTILHAM O MESMO NOME:

PAI E FILHO COMPARTILHAM O MESMO NOME:
"NÃO HÁ SALVAÇÃO EM NINGUÉM MAIS!".

sexta-feira, 2 de março de 2012

IYOV

INTRODUÇÃO AO LIVRO DE:






INTRODUÇÃO



Visão
geral
Autor: desconhecido.
Propósito: Explorar os limites e os usos adequados da
sabedoria proverbial tradicional no caso do sofrimento de um justo.
Data: c. 970-586 a.C.
Verdades fundamentais:
Yaohu tem propósitos por trás de todo sofrimento, mas esses
propósitos estão, em grande parte, ocultos para nós.
A sabedoria proverbial convencional aplica-se facilmente a
algumas situações – mas não do sofrimento dos justos.
Os justos que sofrem devem humildemente associar os seus
lamentos com afirmações acerca da bondade e da justiça de Yaohu.
A compreensão humana acerca da sabedoria é limitada e sempre
começa com o temor de Yaohu e a obediência aos seus mandamentos.


Propósito e características
Entre os escritos de sabedoria do Antigo Testamento (Jó;
Provérbios; e Eclesiastes), o livro de Jó situa-se ao lado de Eclesiastes como
uma exploração dos limites e usos adequados da sabedoria proverbial
convencional. A sabedoria proverbial convencional descreve os ideais de vida e
dá direção para entender o curso normal da experiência humana. Contudo, é
possível entender mal e apropriar-se indevidamente da sabedoria proverbial como
se o ideal e o comum fossem sempre apropriados. Surgem muitas circunstâncias
que exigem uma reflexão mais profunda e um esforço que vá além da orientação da
sabedoria proverbial. Isso se aplica especialmente ao sofrimento dos justos. O
livro de Jó opõe-se a uma confiança ingênua na sabedoria proverbial ao
confrontar questões sobre a bondade e a justiça de Yaohu, uma vez que ele
permite que o seu povo fiel sofra.



CRISTO
EM JÓ.
O livro de Jó prenuncia a
pessoa e a obra de Cristo de inúmeras maneiras. A ligação mais direta entre
Cristo e esse livro está no fato de que Cristo é “sabedoria de Yaohu”
(1Co 1,24) e que nele “todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão
ocultos” (Cl 2,3). Essa identificação de Cristo com a sabedoria provém do
fato de que ele é o Logos eterno por intermédio de “quem todas as
coisas foram feitas” (Jo 1,3) e que, como o Messias encarnado, ele é
Aquele em quem repousa “o Ruach Hakodesh de sabedoria e de
entendimento, o Ruach Hakodesh de conselho e de fortaleza, o Ruach
Hakodesh de conhecimento e de temor do ETERNO” (Is
11,2). As coisas pelo qual Jó e seus amigos anseiam, a saber, entendimento
e sabedoria, são encontrados em Cristo. Quando buscamos
sabedoria à parte dele, estamos condenados a encontrar apenas a loucura do
mundo (1Co 3,19). Quando homens e mulheres estão unidos com Cristo, ele
lhes concede sabedoria. A graça dada aos que crêem é derramada “em toda a
sabedoria e prudência” (Ef 1,8). Ou seja, a sabedoria começa com a fé em Cristo
e provém da graça que é encontrada no ato de seguir Cristo e confiar nele. Todo
cristão que “necessita de sabedoria [deve pedi-la] a Yaohu, que a todos dá
liberalmente” (Tg 1,5). Mesmo assim, ao contrário do espírito contencioso que
Jó e seus amigos exibem enquanto conversam, “a Sabedoria, porém, lá do alto é,
primeiramente, pura; depois, pacífica, indulgente,
tratável, plena de misericórdia e de bons
frutos, imparcial, sem fingimento” (Tg
3,17).
Segundo, o livro de Jó insiste que a capacidade
humana de compreender a sabedoria é tão limitada que, para nós, a sabedoria
pode se resumir em dois elementos: temer a Yaohu e obedecer aos seus
mandamentos (veja a nota sobre 28,28). Esse tema se cumpre em Cristo no sentido
de que a sabedoria que vem de Yaohu significa submeter-se a Cristo com
reverência e obediência.
Terceiro, em inúmeras ocasiões, o livro de Jó
reconhece a necessidade desesperada que os seres humanos têm de um mediador
entre eles e Yaohu (veja 5,1; 9,33; 16,20; 19,25; 33,23). A situação difícil da
humanidade caída é tão terrível que precisamos de alguém com acesso ao trono de
Yaohu para defender a nossa causa. Somos impotentes em nós mesmos. Cristo
supre essa necessidade como o único Mediador entre a humanidade e Yaohu (1Tm
5,2).
Quarto, como um homem justo cuja lealdade para com
Yaohu é testada pelo sofrimento, Jó prenuncia o cumprimento do teste em Cristo.
Cristo excedeu em muito a justiça de Jó no sentido de que não teve pecado
algum. Contudo, ele foi tentado no deserto e ao longo de toda a sua humilhação
simplesmente para suportar tudo sem culpa (Hb 4,15). Por essa razão,
quando não são perfeitos em seus sofrimentos, os fiéis podem descansar certos
de que Cristo sofreu em nome deles e de que sua justiça e recompensa lhes são
imputadas por meio da graça de Yaohu.



JÓ. A
finalidade do Livro de Jó não é explicar – conforme comumente se diz – o enigma
do sofrimento injusto, nem resolver o problema do mal. É, antes, uma tentativa
do homem perplexo de situar-se ante a Yaohu santo e todo-poderoso.

Plano do livro. A obra se divide claramente em cinco
partes:
1. Um prólogo em prosa, no qual o herói, Jó, homem piedoso e
rico, é repentinamente atingido por calamidades inexplicáveis e, apesar disso,
conserva toda a sua confiança no ETERNO (1,1 – 2,13).
2. Um diálogo em verso, no qual se debatem Jó, homem brioso
e revoltado, e três amigos seus: Elifaz de Teman, Bildad de Shûah e Sofar de
Naamá, sábios típicos do antigo Oriente. Este diálogo se desenrola de maneira
lenta e solene, ao longo de três séries de discursos poéticos, enquadrados por
dois monólogos do herói (3,1 – 31,40).
3. Uma série de discursos em verso, representando a
intervenção imprevista de um quarto amigo, Elihu, filho de Barakel, o buzita
(32,1 – 37,24).
4. Um diálogo, em verso, entre o ETERNO e Jó (38,1 – 42,6).
5. Um epílogo, em prosa, em que o herói recupera a saúde, a
riqueza e a reputação, bem como novos filhos. Como os patriarcas, ele morre
repleto de dias (42,7-17).

Unidade e data de composição. As diferenças de
vocabulário, de estilo, de tradição cultural e de idéias religiosas,
verificáveis nas diversas partes da obra, indicam a muitos leitores que ela não
foi composta de um só jato. A título de hipótese, pode-se propor:
É bem provável que o prólogo e o epílogo em prosa tenham
inicialmente constituído um conto folclórico (1, 1 – 2,13; 42,7 – 17). Ele
narrava a paciência exemplar de um homem da terra de Us – talvez em Edom (1,1),
a sudeste do mar Morto – que gozava de uma reputação única entre os “filhos do
Oriente”. Pode-se pensar que a história deste Jó, dotado de uma piedade sem
igual (1,1-8; Tg 5,11), circulava de forma oral entre os sábios do Oriente
Médio, lá pelos fins do segundo milênio a.C., e tenha sido recontado em
hebraico na época de Samuel, David e Salomão (sécs.XI e X a.C.).
Depois da catástrofe de 587 a.C., os judeus exilados em
Babilônia tinham perdido tudo. Sua perplexidade levava alguns a perder toda crença
no valor da existência e a questionar até sua fé na justiça de Yaohu.
Servindo-se da bem-conhecida história do infeliz Jó (Ez 14,14.20), um poeta da
segunda geração do Exílio (cerca de 575 a.C.) compôs o poema (3,1 – 31,40; 38,1
– 42,6), com uma finalidade pastoral e profética, semelhante à do seu
predecessor Ezequiel (cerca de 592-580 a.C.). Este poeta traz à cena o herói,
que sofria sem causa aparente, e três de seus amigos, tentando discutir
poeticamente o valor da existência e os direitos do homem à justiça, humana e
divina (31,35-37). O próprio ETERNO oferece ao herói ocasião de defender-se e
de condenar a conduta divina (40,8-14), mas Jó recusa-se a aceitar o desafio e
simplesmente se arrepende da sua presunção (42,1.6).
O poema se encerra com o reconhecimento da santidade divina,
que ultrapassa infinitamente a imaginação dos homens e até mesmo as noções mais
difundidas da providência e da bondade de Yaohu. Sugere-se ainda uma noção de
pecado que transcenderia uma distinção demasiado simplista entre bem e mal,
distinção em que se situa a ambição egocêntrica de um homem virtuoso.
O epílogo em prosa (42,7-17) parece contradizer a teologia
do poeta, ao afirmar o dogma popular da restrição individual. Este epílogo só
sobreviveu porque pertencia a um conto clássico, herança da sabedoria secular
do Oriente. Talvez ele fosse admiravelmente conveniente às idéias dos escribas
moralistas do judaísmo na época persa, que asseguraram assim a transmissão do
poema à posteridade.
Um discípulo da escola jobiana ajuntou, provavelmente com
fins apologéticos, os discursos de Elihu (32,1 – 37,24). Notam-se,
efetivamente, nestes discursos uma linguagem, um estilo e um método retórico
bastante distintos dos de um diálogo propriamente dito. Elihu insiste no valor
educador do sofrimento e acrescenta certos argumentos que mestres da escola
sapiencial tradicional lamentaram ser insuficientemente desenvolvidos por
Elifaz, Bildad e Sofar.
O texto do terceiro ciclo do diálogo poético entre Jó e
seus três amigos (em particular 25,1 – 27,23) parece ter sofrido dano na
transmissão oral ou manuscrita. Falta o terceiro discurso de Sofar, e certas
sentenças postas na boca de Jó parecem refletir a posição tradicional de um de
seus amigos (24,18-25; 26,5-14). Alguns exegetas sugerem que os editores
do poema procuraram suavizar a dureza do herói, emprestando-lhe palavras
originalmente pronunciadas por Sofar. Muitos pensam também que o Elogio da
Sabedoria (28,1-28) representa uma adição posterior. Entretanto, seu estilo
está bem próximo do tom dos discursos do ETERNO (38,1ss.), e pode-se supor que
a finalidade deste poema era separar a discussão dialogada da peroração de Jó.

Gênero literário. Há
tempos, notou-se que a forma literária deste livro é única nas Escrituras.
Apesar de a tradição judaica e cristã o ter relacionado entre as obras de
Sabedoria e de nele se encontrarem numerosas sentenças de sabor sapiencial,
admite-se, hoje, que Jó escapa a todo esforço de classificação.
A forma do diálogo, celebrizada por Platão, nasceu
provavelmente na mais remota antiguidade, na Mesopotâmia e no vale do Nilo. Um
documento cuneiforme, que remonta ao 3º milênio, levanta o problema do mal em
termos ousados e é hoje conhecido como o Jó sumeriano. Outro texto
cuneiforme, escrito em língua babilônica, trata do Justo sofredor. O Diálogo
acróstico sobre a teodicéia, cuja cópia data ao menos do séc. IX a.C., põe em
cena um doente e seu amigo, a discutir sobre a justiça divina, ao longo de
vinte e sete estrofes de onze linhas cada uma. O amigo em questão emprega
argumentos que reaparecem nos discursos de Elifaz de Teman.
No Egito, o Diálogo do homem cansado da existência com sua
alma faz falar um miserável enfermo, escorraçado de casa, como um maldito com
verdadeiro lirismo. Não se pode deixar de observar que Jó é o único personagem
da literatura hebraica que exprime fascínio pela morte. Além disso, o
vocabulário e numerosas alusões deste poema bíblico sugerem certa familiaridade
com a cultura egípcia.
É, pois, provável, que o poeta de Jó pertencesse ao circulo
internacional da Sabedoria e conhecesse a forma literária do diálogo. Tal
gênero se prestava impunemente à apresentação em público de opiniões
subversivas ou, pelo menos, de idéias que questionavam os dogmas de uma
sociedade conformista. Deve-se notar, entretanto, que o poeta compôs uma obra
original.

Nacionalidade do poeta. O diálogo em verso ignora a
eleição e a missão de Israel, a aliança mosaica, a aliança davídica, a colina
sagrada de Sião, o Templo, o culto sacrifical e a esperança messiânica. Aliás,
a história popular e arcaica do herói Jó apresentava-se em moldes estrangeiros,
nada israelitas. A presença de palavras e torneios de sintaxe que não se
encontram em nenhuma outra parte da Bíblia hebraica confirma o caráter
excepcional do livro. Alguns estudiosos concluíram, destas observações, que
o autor era um sábio oriental não-israelita. Chegou-se até a levantar a
hipótese de ser o hebraico do texto atual tradução de algum original aramaico
ou árabe.
Tais conjeturas não têm fundamento. A utilização
de um dialeto hebraico diferente do de Jerusalém, ao lado de algumas liberdades
tomadas pelo poeta, pode explicar as particularidades literárias de Jó. O
criador do diálogo em versos era um judeu, pois conhecia intimamente os
oráculos dos grandes profetas, em particular, as “confissões” de Jeremias. Ele
sabia de cor os salmos que se cantavam no Templo de Jerusalém e os provérbios
que “se diziam” na corte dos reis de Judá.
Pode-se supor que, tendo sobrevivido à catástrofe de 587
(data em que o Templo foi destruído, a cidade incendiada, a população dizimada,
os sobreviventes dispersados ou deportados para Babilônia), o poeta foi um dos
primeiros “judeus” (por oposição ao sentido antigo de “Israel”). A seu modo,
diferentemente do profeta Ezequiel, ele contribuiu para o nascimento do
judaísmo. Mesmo não tendo sido nem profeta, nem sacerdote, nem salmista, esse
herdeiro de sabedoria cosmopolita exerceu, junto aos seus contemporâneos, um
ministério profético e pastoral. Para uma comunidade destituída de culto
e desarraigada, ele criou uma nova literatura, reunindo os
gêneros mais diversos como a lamentação, o hino, a máxima,
a sátira, a controvérsia judiciária, a maldição, a
invectiva profética e até mesmo o antigo relato de teofania, para
propor, sob forma quase dramática, uma espécie de “diversão” literária.
Ocasião do poema. Na falta de indicação explícita,
pode-se apenas levantar uma conjetura quanto à ocasião do poema. Como outras
obras em verso e numerosas tradições em prosa ritmada, conservadas no Antigo
Testamento e tradicionalmente consideradas documentos escritos, o diálogo de Jó
foi, sem dúvida, inicialmente “publicado” em forma oral. Não era,
originalmente, um manuscrito para leitura. Devemos antes pensar em verso que se
“diziam” ou se recitavam com acompanhamento musical. Como as célebres rapsódias
da Grécia homérica ou os cantos épicos dos trovadores medievais, os lamentos de
Jó foram cantados provavelmente em círculos de deportados judeus saudosos de
suas festas. Sabe-se que os grupos étnicos ou religiosos desarraigados
apegaram-se obstinadamente à observância de seus calendários rituais. Sem
Templo e sem altar, que gestos litúrgicos os exilados ou Babilônicos poderiam
cumprir?
Nessa época tumultuada e incerta, puseram-se os judeus a
celebrar o Ano Novo e o Dia do grande Perdão, antes da festa das Tendas. Teria
o poeta de Jó lançado mão desta ocasião para distrair as multidões,
dirigindo-lhes, de forma “paralitúrgica”, uma mensagem concernente à verdadeira
fé?
Sabe-se que a festa babilônica do Ano Novo calcava-se na
paixão, na morte simbólica e na renovação do monarca, dentro do quadro de
renovação da criação e da fertilidade vegetal e animal. Ora, acontece que o
poeta de Jó se serviu de numerosos traços da ideologia régia para descrever os
sofrimentos e orgulho do seu herói. Aliás, ele entreteceu, na sua obra, alusões
à criação do mundo e articulou os discursos do ETERNO com o ciclo do ano,
culminando com o retorno da chuva do outono (38,38), o que, também, foi feito
pelo autor dos discursos de Elihu (36,27 – 37,24). Seja como for, a intenção do
poeta ia muito além da veneração do calendário. Com a ajuda de uma parábola,
ele quis proclamar um oráculo profético de advertência e de esperança.
Aos que se sentiam devorados pela amargura (Lm 3,15) e mesmo
pelo rancor contra um Deus que não cumpria suas promessas, o poeta narrou a
antiga história do homem integro da terra de Us, porque essa história
questionava os deportados judeus no mais profundo do seu derrotismo, ao
perguntar-lhes: “Será em troca de nada que Jó teme a Yaohu?” (1,9).
Fora em vão que o povo da Aliança tinha mantido, apesar
de todas as corrupções de vários séculos, certo nível de pureza cultual e um
sentido ainda vivo de responsabilidade social. Comparando-se a seus
perseguidores, Israel podia facilmente pensar que não merecia o seu destino.
Arrogava-se direitos sobre seu CRIADOR. O poeta de Jó apõe sua
voz a essa ilusão de todas as religiões naturais. Como os grandes profetas e
alguns salmistas, ele compreendera que o mercantilismo não tem lugar na
verdadeira fé e que à sublimidade corresponde à gratuidade da devoção.
A teologia do livro. O leitor moderno não pode
ignorar a complexidade da composição do poema, nem o contexto histórico no qual
veio à luz.
A história em prosa. Alguns aspectos do conto folclórico
dificilmente corresponderiam ao pensamento do autor do diálogo. Discípulo de
Jeremias, o sábio judeu meditara sobre o escândalo da desgraça dos humildes e
da prosperidade dos maus. Ele provavelmente não aceitava explicar o sofrimento
“sem causa” como resultado de uma aposta entre um Deus ingênuo e o mais cínico
dos membros da corte celeste. Aliás, o poeta evitou cuidadosamente qualquer
menção a este “adversário” mítico. Em vez disso, é o ideal de uma piedade
“gratuita” que alimentou seu gênio poético e estimulou o rigor da sua indagação
teológica.
O poeta não é, pois, responsável por todos os pormenores da
narrativa em prosa. Serviu-se dela simplesmente como de um trampolim do qual
lançar seus discursos. Uma vez que a história do piedoso Jó punha em cena
diferentes personagens, ele os fez falar à sua própria maneira. Utilizou o
canto popular para disfarçar uma discussão sobre a condição humana, o “toma
lá, dá cá” dos cultos (2,4) e a pureza de uma fé que não pede contas a
Yaohu.
Em contradição com os protestos de Jó, ou com os discursos
do ETERNO, o epílogo em prosa, sabe-se bem, reafirma o dogma da retribuição.
Era precisamente isto que repugnava à sensibilidade do poeta e é o que ele
atacou com vigor sem paralelo na literatura do antigo Israel. Daí surge a
questão que vem perturbando os intérpretes ao longo dos séculos: o desfecho do
livro poderá de alguma forma, concordar com a teologia do poeta?
É preciso aqui recordar a distinção entre a recitação oral
de um poema e sua codificação escrita, em data posterior. Por pertencer à
herança nacional, a “narrativa folclórica” facilmente encontrou lugar nos
manuscritos legados à posteridade judaica da época persa (séc. V e IV a.C.)
pelos guardiões dos tesouros literários da nação. O “poema” encontrou aí seu
lugar, por ter sido vazado na narrativa tradicional. Podemos até supor ter sido
precisamente a conclusão piedosa da história em prosa que facilitou a
sobrevivência do poema, no qual a ousadia da revolta de Jó e a ironia da
resposta divina questionam a justiça de Yaohu ou, quando menos, distinguem-na
da justiça dos homens.
O diálogo em verso. O autor do diálogo deu livre curso à
paixão que sempre se apodera do espírito humano, quando confrontado com o
enigma da dor. Ele não perde de vista, por um momento sequer, o escândalo
intelectual e moral que perturbou o judaísmo, desde sua aparição na história, e
que continua a inquietar os homens. O poeta de Jó fala à humanidade de todos os
tempos, porque não somente enfrentou o escândalo da existência e da morte, mas
também retratou o homem de fé que, na agonia, raia a blasfêmia e, ao mesmo
tempo, busca a presença de um Deus que ama – Yaohu. Para ele, o silêncio divino
é o sofrimento último. Mais que a destituição dos bens, que a perda dos filhos,
o banimento da sociedade, a incompreensão da esposa e dos amigos e mais, até
mesmo, que os terrores de uma doença fatal.
Outro tema se enxerta neste: Jó reivindica, como um
direito, que sua integridade seja publicamente reconhecida. Ao contrário
dos cantores de lamentações que, no livro dos Salmos, suplicam, de cem
maneiras, para ser libertados de seus males. Jó pede somente que Yaohu
admita a sua inocência.
Jó é um exemplo não somente de virtude, mas também de brio.
Sob o efeito dos ataques insidiosos da doença e da dor moral, seu brio
exacerbado vai descambando, pouco a pouco, para um orgulho sobre-humano, quase
para a desmesura de um titã. Ele se compara ao Oceano e ao Monstro marinho
(7,12) que, segundo a mitologia acádica, acorrentou e manteve sob os olhos o
deus da ordem, ansioso por salvaguardar as fronteiras da terra habitável.
Elifaz captou a nova dimensão da hybris que impele o homem moral, no ardor da
provação, a se tomar, erradamente, por um semi-deus. Ele pergunta a Jó, fazendo
clara alusão ao mito do Homem primordial:

Serás Adão, o que nasceu primeiro, ou foste dado à luz
antes dos outeiros? (15,7)

Sem vergar, o herói persiste em exigir, não a cura, mas
em ser liberado das acusações assacadas contra ele. É esse desejo obstinado que
o leva a romper, por um momento, a crença tradicional no caráter definitivo da
morte, crença que sempre aceitara (7,21; 14,10). Após ter declarado que tinha,
nos céus, uma testemunha que tomaria sua defesa contra o próprio Deus
(16,18-21). Ele clama, enfim, sua certeza de que, para além do seu último
suspiro, já nas bordas do abismo, o seu redentor se levantará, vivo, para lhe
permitir ver a Yaohu – seu Deus (19,25-26).
Todos os seus estão mortos ou, de certa forma, o
excomungaram (19,13-22); ele não tem herdeiro humano que possa resgatar sua
honra, depois de sua morte. Entretanto, ele sabe – e afirma solenemente esta
certeza – que um ser misterioso desempenhará esse papel. De acordo com o antigo
direito consuetudinário, o “redentor” devia ser um parente do morto, cujo dever
era vingar o sangue derramado (de onde a expressão: “o redentor do sangue”) ou
preservar, através de compra legal, a integridade da terra ancestral (2Sm
14,11; Rt 2,20 etc.). Se bem que certas palavras desta passagem, hoje famosas,
tenham sido mal preservadas nos manuscritos e que as antigas versões quase não
ofereçam auxílio, o texto hebraico de 19,26b está solidamente confirmado: Na
minha carne contemplarei a Yaohu.
Compreende-se por que os primeiros cristãos leram aqui o
prelúdio da fé na ressurreição da carne e a prefiguração de um “Redentor” que
venceria a morte. No séc. VI a.C., a expressão “na minha carne”
significava, provavelmente, o homem na sua plena identidade concreta, e tal
modo de ver é confirmado pelas repetições na frase que segue (v. 27). Aliás,
foi isto que, entre os judeus e os primeiros cristãos, deu a crença na vida
futura uma forma que nada tem de comum com a idéia helenística da imortalidade
da alma. A crença na ressurreição da carne supõe uma esperança realista numa vida
em comunhão com Yaohu, contrastando com o modo etéreo e desprovido de
substância sugerido pela especulação não-hebraica sobre a alma imortal. Além
disso, esta crença pressupõe um ato soberano de nova criação, por parte de
Yaohu, sem jamais considerar a imortalidade como um direito inerente à natureza
humana.
As interpretações deste Credo notável (19,23-27) são as mais
diversas, mas não há dúvida de que o poeta de Jó preparou, desde a aurora do
judaísmo, uma teologia da mediação entre um Deus que parece hostil e se mantém
longínquo, de uma parte, e, de outra, o homem abandonado no mundo. Pode-se
pensar que este poeta tenha legado ao seu herói uma esperança que seu coração
nutria e que conseguiu exprimir segundo uma tríplice gradação: Primeiro, o sonho inacessível
de um árbitro que interviesse entre Yaohu e o homem, pondo-o face a face,
realizando a função de conciliador (9,33); em seguida, a convicção de
que, depois do seu crime, Jó receberia de sua testemunha uma defesa póstuma na
corte suprema (16,12-21); finalmente, a certeza inabalável da presença final de
um redentor que não somente resgatará sua honra, mas ainda lhe permitirá ver a
Yaohu (19,25-27).
Até a peroração de sua longa apologia, o herói conserva a
dignidade de um homem que não tem nenhum sentimento de culpa. Lembra-se somente
dos pecadilhos de juventude. Ele acolherá, pois, a Divindade, revestido de
uma majestade real. “Como um príncipe” ele irá ao encontro do Poderoso (31,37).
A teofania do seio do furacão. As respostas de Jó aos
discursos do ETERNO mudam de tom de maneira surpreendente. E o leitor descobre
a intenção profunda do poeta: não é sua intenção resolver o problema do mal,
nem justificar os caminhos divinos segundo os cânones da moral humana.
Trata-se, pelo contrário, de purificar a teologia de todo moralismo
antropomórfico, de esboçar uma nova abordagem da realidade da fé e, finalmente,
de indicar o caráter insidioso do pecado que espreita o homem integro e
piedoso.
A primeira intenção do poema de Jó é liberar a sabedoria
divina da noção humana de justiça. Quando o ETERNO “responde” a Jó, do seio do
furacão (alusão velada às teofanias de Moisés, Êx 19, e de Elias, 1Rs 19), ele
não oferece, de fato, nenhuma resposta às perguntas do homem de dor. Antes, é
ele que faz novas perguntas, uma depois da outra, antes de chegar a mais
perturbadora:
O
contendor do Poderoso ainda critica?

Responda,
POIS, O QUE CENSURA Yaohu (40,2).


recusa-se a apanhar a luva (vv. 3 – 5), e o ETERNO, mais uma vez, ironiza o
campeão que procurava briga e o convida, não sem ironia, a preparar-se para o
último combate:

Cinge
os teus rins, como um guerreiro; vou te perguntar e tu me farás saber:
Pretendes mesmo anular meu julgamento, e condenar-me, para
te justificar? (40,7 – 8).

Esta dupla pergunta vai ao núcleo da discussão e
oferece a chave para todo o Livro de Jó. O poeta serve-se do mistério do
sofrimento para sondar o mistério de Yaohu.
O herói não deixou de proclamar sua integridade. Várias
vezes indicou que sua miséria constituía um desmentido à justiça de Yaohu. De
fato, ele mantinha que Yaohu reconheceria, com toda certeza, sua inocência e,
querendo implicitamente ditar seus próprios termos ao Poderoso, tentava
justificar a si mesmo.
Enquanto seus amigos entravam na liça para defender
incansavelmente a idéia da retribuição divina e o valor da conversão
(mostrando-se empenhados num empreendimento intelectual de “teodicéia”, ou
justificação de Yaohu), Jó insistia nos direitos que o homem adquire por
sua conduta moral. Ele se fechava na busca de uma “antropodicéia”, ou
justificação do homem. O poeta pode agora mostrar que a justificação
do homem nunca será conseguida senão à custa da condenação de Yaohu.
O estilo da controvérsia profética que apareceu em Jó
insistia nos direitos que o homem adquire por sua conduta moral. Ele se fechava
na busca de uma “antropodicéia”, ou justificação do homem. O poeta pode
agora mostrar que a justificação do homem nunca será conseguida sendo à custa
da condenação de Yaohu.
O estilo da controvérsia profética que apareceu em Jó 40,2
reencontra-se no v. 8, onde o verbo “quebrar” (nesta tradução: anular
[meu julgamento]) é o mesmo que emprega Jeremias ao falar da
ruptura da antiga Aliança (Jr 31,32). Fazendo uso de tal terminologia, o
poeta sugere que Jó partilhava, de fato, com seus amigos, a velha crença na
retribuição, ligada à ideologia da aliança de obrigação mútua. Jó não “teme a
Yaohu em vão” (1,9). Tanto como seus amigos, também ele atribuía implicitamente
a Yaohu um sentido humano da justiça, baseada na idéia comercial de compra e
venda.
Querer encontra um vínculo entre a perfeição moral do
homem e sua felicidade é conceber a Yaohu como um homem de negócios tratando
com seus clientes. A fórmula “toma-lá-dá-cá” (2,4) não exprime apenas a
idéia do “adversário” mítico da história em prosa; ela caracteriza, igualmente,
todos os personagens do diálogo em verso. E é isto que o próprio ETERNO
revela a Jó, falando-lhe de dentro do furacão. O poeta mostra os perigos da
teologia da Aliança, cada vez que o dogma da obrigação contratual se corrompe e
dá a impressão de que a liberdade de Yaohu é limitada. Como Israel, Jó
pensava que sua integridade, superior à de todos os orientais, lhe garantia
direitos sobre Yaohu.
O herói é, enfim, persuadido a encarar o erro sutil da
sua posição. Ele não pode justificar a si mesmo sem, ao mesmo tempo, declarar
que Yaohu “é mau” (sentido literal do verbo em 40,8b). Jó aprende
que, afinal, enveredara pelo mesmo caminho de seus três amigos. A defesa
de Yaohu é, sempre, uma defesa do homem. A teodicéia é, de fato, uma
“antropodicéia”.
Posto em presença da santidade infinita do Criador dos
mundos, Jó descobre que não pode salvar-se a si mesmo. Deve renunciar à ilusão
da religião como técnica de bem-estar e segurança. Ao compreender que temeu a
Yaohu “por nada” (1,9), a graça inefável da presença se torna para ele o
suficiente. Ele não pede mais nada.
A segunda intenção do poeta era delinear uma
abordagem nova para a realidade da fé. É verdade que as antigas tradições
“javista” tinham, há muito, expressado a relação entre Yaohu e o homem como um
simples relacionamento de confiança entre duas pessoas (Gn 15,6). Os grandes
profetas, Isaías em particular, já haviam entrevisto na fé (emuná) o segredo da
perseverança, a capacidade de viver um amém (Is 7,9) ou de viver a justiça e a
retidão (Hab 2,4). O poeta jobiano não usa esta linguagem, mas mostra
claramente que o milagre da presença divina está na própria raiz do triunfo
sobre o sofrimento. Ao evocar a teofania de Moisés e de Elias e ao antecipar a
epifania final, celebrada nos hinos da festa do outono, o poeta dizia a seus
conterrâneos deportados (sem Templo, sem monarquia, sem pátria nem esperança de
um porvir nacional) que Yaohu do céu e da terra estava ainda e sempre com
eles.
O furacão e a escuridão são os antigos símbolos da
presença por trás da máscara. Enquanto os monstros míticos, o Sinuoso
(Leviatan) e o Bestial (Behemot), elevam o enigma do mal sempre a uma escala
universal, o arquiteto do cosmo revela a Jó, um simples indivíduo, as maravilhas
da liberdade divina. O pragmatismo humano não tem lugar na ordem da criação,
onde a chuva cai até sobre terras inabitadas (38,26). Ter fé é crer em um Deus
livre – Yaohu, que se inclina, apesar das aparências contrárias, sobre a
fraqueza, o pecado ou o orgulho da menor de suas criaturas.
Através do desenvolvimento desses temas, de modo indireto,
por meio do procedimento dramatúrgico, o poeta esboça sutilmente um novo
caminho para a compreensão da antiga noção de pecado. É esta a terceira
intenção dos discursos do ETERNO e da resposta final de Jó. Diante da
santidade que supera todo entendimento, o lutador desiste. A presença abriu-lhe
os olhos. Agora ele vê com seus próprios olhos, em vez de conhecer por “ouvir
dizer” (42,5).
Vendo a “santidade”, ele toma consciência do seu pecado. Não
cometeu nenhum dos crimes de que o acusaram seus amigos, mas cometeu o crime
por excelência do homem moral: constituiu-se num “julgo-Deus-Yaohu”. Sua
confissão é, portanto, inevitável:
Também, por isso, tenho horror de mim e retrato-me no pó
e na cinza (42,6-7).

Jó exigira uma audiência, a fim de defender sua honra, mas
sua moralidade, sem que ele a notasse, tornara-se uma técnica destinada a obter
um atributo sobre-humano, análogo ao dos reis antigos que se enfarpelavam com
os ouropéis do direito divino (40,10-14).
A culpa de Jó não é de ordem moral; é a do homem que não
somente se crê dono do próprio destino, mas ainda se erige, inconscientemente,
em ser divino, uma vez que emite julgamento sobre Yaohu. Os discursos do ETERNO
e a resposta de Jó contêm uma crítica ao subjetivismo humanista, que modela
Yaohu pelas normas do pensamento humano. O poema de Jó separa a realidade de
Yaohu das restrições da razão ou da moralidade humanas. O poeta antecipa o
apóstolo Paulo, porque sua visão do ETERNO lhe permite discernir entre a
idolatria da fé e a lei, concebida como fonte de autojustificação.


Texto e tradução. Em 1952, foram encontrados numa
gruta perto do mar Morto os fragmentos de um manuscrito de Jó, em caracteres
hebraicos antigos. Esta velha escrita, até então, parecia reservada aos livros
do Pentateuco. Daí se vê a importância que alguns meios judeus atribuíam ao
Livro de Jó desde antes da nossa era.
O texto hebraico do Livro de Jó oferece graves
dificuldades. Parece que o antigo tradutor grego (Septuaginta) já tropeçara
nelas. Às vezes, ele tenta escapar com uma paráfrase bastante vaga, outras
vezes, pula certo número de versículos sem traduzi-los.
Foi necessário esperar até o trabalho crítico de Orígenes e
o talento tradutor de Jerônimo para tornar as angústias de Jó acessíveis aos
cristãos.
As particularidades do texto hebraico contrastam, muitas
vezes, com o que os outros livros da Bíblia nos dão a conhecer da língua
hebraica antiga. Diante disso, de um século para cá, os tradutores tomaram o
hábito de considerar muitos versículos de Jó desfigurados por corrupções, que
eles “corrigem” de maneira muitas vezes bem engenhosa. Entretanto, a exegese
contemporânea foi adquirindo um senso sempre mais vivo da fragilidade dessas
conjeturas e também do isolamento do Livro de Jó num contexto cultural hoje
desaparecido. A presente tradução optou resolutamente pelo texto hebraico
tradicional, inspirando-se amplamente nos comentadores judeus medievais para a
interpretação das passagens obscuras.
VAMOS
AS PRINCIPAIS PERSONAGENS DE JÓ:



Pontos fortes e êxitos:
Era um homem de fé, paciência e perseverança.
Era conhecido como alguém generoso e afetivo.
Era muito rico.


Fraquezas e erros:
Permitiu que o desejo de compreender o motivo do
sofrimento o oprimisse e o levasse a questionar Yaohu.


Lições de vida:
Conhecer a Yaohu é melhor que conhecer as respostas.
Yaohu não é arbitrário ou descuidado.
A dor nem sempre é fruto de punição.


Informações essenciais:
Onde: Uz.
Ocupação: Rico fazendeiro.
Familiares: Esposa e dez filhos (nomes não mencionados). As
filhas da segunda série de filhos – Jemima, Quesia e Quéren-Hapuque.
Contemporâneos: Elifaz, Bildade, Zofar e Eliú.



Versículos-chave: “Meus irmãos, tomai, por
exemplo, de aflição e paciência os profetas que falaram em nome do ETERNO. Eis
que temos por bem-aventurado os que sofreram. Ouvistes qual foi a paciência de
Jó e vistes o fim que o ETERNO lhe deu; porque o ETERNO é muito misericordioso
e piedoso” (Tg 5,10.11).



A história de Jó pode ser encontrada no livro de Jó. Ele é
também mencionado em Ezequiel 14,14.20 e Tiago 5,11.

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